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Natureza incrível, história forte e o prazer de pilotar pelo país das motos 6v1um

Texto e fotos: Marcelo Leite 2n686h

Nós tínhamos acabado de atravessar o continente africano e queríamos seguir nossa Expedição 5 Continentes pela Austrália. Despachamos a moto por navio. Um trajeto de uns 40 dias. Nesse período de espera, não queríamos ficar parados e a Beth, minha mulher, teve a ideia de irmos para o Vietnã, aproveitando um estoque de milhas aéreas que ainda tínhamos.

Eu já tinha um bom contato em Hanói, a capital, que entre outras coisas tinha algumas motos para alugar. Então lá fomos nós!

O país das motos! 391324

Todo mundo já ouviu falar do Vietnã, nem que seja nos filmes de guerra, mas o que pouca gente sabe é que esse é o ´´País das motos´´! Todo mundo vai de moto. Fala-se em 40 milhões delas! Nas cidades ou nos vilarejos há uma infinidade de pequenas oficinas de motos, borracharias de motos e lava-rápido de motos. Tem até posto de gasolina só para motos. Em todas as casas, lojas e hotéis há sempre uma pequena rampa para colocar a moto para dentro. Capacetes, capas e órios de motos são vendidos nas calçadas e nos mercados. Homens, mulheres, adolescentes e velhas senhoras, todo mundo vive o mundo das 2 rodas!

Quando chegamos, a imprensa local anunciava o investimento da Honda em uma fábrica dedicada à fabricação de motos de pequena cilindrada. Falava-se em alguns milhões de unidades por ano, um absurdo para nossas referências!

O primeiro dia pelas ruas de Hanói foi uma doidera total. Raríssimos carros e um oceano de scooters e pequenas motos em todas as direções. Quase um formigueiro! À primeira vista parece um caos e não dá para entender nada do que acontece, mas aos poucos vamos vendo que todo mundo se entende, negociando cada milímetro de chão. E acredite, não vimos nenhum acidente apesar da confusão toda.

Fomos direto ver o que teríamos de moto: uma Honda XR250! Muito parecida com as nossas Tornados. Me senti em casa.

Nossas botas, jaquetas e capacetes tinham embarcado na mesma caixa com nossa moto para a Austrália. Pegamos então dois capacetes emprestados, bem ruinzinhos; compramos capas de chuva no mercado e na falta de botas adotamos o velho truque das sacolas plásticas por dentro e fora dos tênis.

Nada de GPS. Ficamos algum tempo rabiscando mapas e depois de algumas cervejas, já tínhamos nossa rota. Iriamos subir pelas montanhas ao norte até a fronteira da China e depois desceríamos basicamente pelo litoral até a cidade de Ho Chi Minh (ex-Saigon), nosso destino final.

Pegamos algumas peças, ferramentas e alguns tirantes feitos de câmara de ar. A moto tinha uns alforjes bem funcionais e robustos apesar do gosto duvidoso. E claro, nossa inseparável DryBag.

Ganhamos um par de máscaras de tecido xadrez. No país todo mundo usa, tanto para proteção da poluição (apesar de bem melhor que em São Paulo) e doenças respiratórias. Entramos na onda também.

Montanhas ao norte 4n1624

Na manhã seguinte saímos em direção a Lao Cai, ao norte. Debaixo de uma chuvinha fina, a XR não tinha medo de nada.

De Lao Cai a Há Giang foi um período de estradinhas incríveis cortando montanhas, vilarejos e conhecendo os povos das ditas “minorias étnicas” cada qual com sua própria língua e vestuário colorido.

Para seguir para Dong Van tivemos que tirar uma autorização especial no posto de polícia, porque é uma área de o por ter um histórico de conflitos de fronteira com a China. Apesar do trabalho, valeu a pena! O lugar é simplesmente deslumbrante. Seguindo a dica de um garoto pegamos um atalho que cortava 30 km de montanha. Trilha de pura pedra e água. Com garupa tudo ficou um pouco mais divertido!

As montanhas estão todas “recortadas” com os nivelamentos para as plantações, em ´´andares´´. Como se não bastasse, o solo é péssimo, mas os vietnamitas são duros e persistentes. Com muito trabalho, modificaram a natureza e a paisagem para plantarem comida. No campo, nos vilarejos e nas cidades, o que se vê por todo o país é só trabalho. Geralmente em família, todos trabalham duro, muitas vezes dormindo no próprio local. E não tem tempo ruim. Sol ou chuva, 7 dias por semana.

Esses dias pelas montanhas foram lindos e serviram para nos entrosarmos com o povo local de vilarejo em vilarejo. O pessoal não fala inglês, mas a boa vontade é tanta que tudo se resolve. Eles gostam de cuidar da gente e adoram falar de moto. Melhor impossível!

A comida 4i1gn

A culinária é muito boa, mas a comunicação é impossível, então íamos degustando nas as e assim conseguíamos decidir pela comida. O prato tradicional é uma sopa bem gostosa conhecida por ´´Phô´´. Sempre leva noodles, legumes e algum tipo de carne em tirinhas. O mais comum é frango ou vaca.

Depois de termos rodado o dia todo, pelas montanhas molhadas e geladas, chegamos a um vilarejo. Entramos no único restaurante, todo de madeira, bem simples, mas bem arrumadinho. Estávamos com fome de leão e comemos com gosto. Frango ou vaca? Só ao sair, em dialogo mímico com a proprietária, percebi que tínhamos comido carne de cachorro! A sensação foi simplesmente horrível! A Beth colocou tudo pra fora…

Descendo pelo litoral 1os2c

Começamos a esticar para o sul com o objetivo de chegar ao litoral. Linha reta para a famosa Halong Bay, com aquelas montanhas e morros saindo no meio do mar. A névoa constante e os típicos veleiros formam paisagens de cartão postal. Coisa de cinema!

Um dia melhor que o outro, o clima foi esquentando, as estradinhas melhorando e nossa motinho firme e forte.

Descemos pela costa, amos pela imperial Hue, pela praia de Nha Trang e pela hoje turística Mui Ne.

Todas essas cidades têm boa infra-estrutura, boa hospedagem, boa comida, muito artesanato, alfaiates aos montes e gente acolhedora.

Fomos intercalando caminhos pelo litoral e pela área rural com seus campos de arroz. As distâncias são boas e rodar de moto é simplesmente uma delícia. Pelas estradinhas o transito é bem tranquilo e tem pontos de parada e gasolina o tempo todo.

Marcas da guerra 2x263x

As marcas de décadas de guerra estão por todos os lados. Nos mutilados, nas terras aniquiladas de tanto napalm americano, nos cemitérios, nas histórias pessoais e nos alertas para que não nos afastássemos das principais vias por causa das minas ainda ativas.

Os vietnamitas parecem não ter medo de nada e já colocaram os chineses para correr; expulsaram os japoneses durante a segunda guerra; humilharam os ses na guerra da Indochina e foram os únicos que pegaram de frente os Estados Unidos. Nessa última morreram 3 milhões de vietnamitas, a grande maioria na população civil. O país ficou arruinado, mas independente e unido. Com trabalho e incrível determinação, tudo foi reconstruído e o país vive um período de crescimento econômico dos mais altos do mundo.

Cidade de Ho Chi Minh 1g5248

A cosmopolita Ho Chi Minh é o símbolo dos novos tempos. Uma mistura de prédios modernos, executivos de terno, garotada plugada, painéis das marcas famosas, dragões da antiga tradição, templos budistas, guardas de luvas brancas e o trânsito de uma grande cidade. Mas mesmo aqui, tudo vai em 2 rodas.

Assim terminava nossa jornada de quase 3.000 km com nossa valente Honda XR250. Não tivemos nenhum problema a não ser nossa sopa canina. Rodamos por lugares lindos, aprendemos um monte sobre esse povo guerreiro e tivemos experiências excepcionais quase todo dia. Tudo isso com infraestrutura surpreendente e preços beirando o ridículo de tão baixos. Se vale a pena? Pode pegar seu capacete e arrumar uma mochila que você não vai se arrepender!